quinta-feira, junho 10, 2004

Dia de Portugal e o mirandês

Inicio esta incursão na blogosfera no Dia de Portugal de 2004 em que o Presidente da República condecorou um cidadão cuja única razão de notoriedade consiste em ter conseguido quebrar (pelo menos a nível oficial) um dos mais distintos traços do meu país: a unidade linguística.

Que espécie de mecanismo leva a classe política desta nação a celebrar a elevação a língua oficial de um dialecto local, o mirandês, que talvez nem um milhar de pessoas fala?

Somos um dos escassíssimos países do mundo onde há absoluta unidade linguística, uma só língua em todo o território. Esta é uma das pouquíssimas coisas pela qual somos invejados tanto por grandes países como a Espanha ou o Reino Unido, como por pequeníssimos países como o Luxemburgo, todos a braços com maiores ou menores tensões internas por causa da diversidade linguística.
Nos manuais de Relações Internacionais a unidade linguística é uma virtualidade para qualquer país, algo que a esmagadora maioria dos países do mundo gostaria de ter e não tem.
Até o Luxemburgo, que não é maior que o concelho de Odemira, tem esse problema: três línguas - o francês, o alemão e o luxemburguês (uma língua popular que é uma mistura dos dois).
A existência de mais que uma língua num espaço político sempre factor de divisão e tensão.
Nós, felizmente, não temos disso!

Agora, imaginemos: um camone decide visitar Portugal e procura informar-se sobre o país. E fica a saber que Portugal é um país com dez milhões de habitantes onde há duas línguas oficiais - português e mirandês.
"Engraçado, português já eu sabia, agora mirandês desconhecia!" - pensa o camone com os seus botões.
Decide aprofundar o achado e verifica que o mirandês é uma língua falada por escassas centenas de pessoas num pequeno concelho do nordeste do país. Não tem literatura e apenas existem uns escassos livros escritos ou traduzidos à pressa para o mirandês, à custa de generosas contribuições da autarquia local.
Ridículo...!
É que por imbecilidade ou vesgo populismo, alguém achou giro que Portugal, para não ser menos que os outros, também tinha que ter mais que uma língua oficial e pronto, aí está...

Já agora porque não o rio de onorês? Ou o crioulo caboverdiano que dezenas de milhar de pessoas falam em vários bairros de Lisboa?
Não tarda nada temos aí os caciques locais a reclamar a promoção a língua nacional do felgueirês, do canasdesenhorês, do marcodecanavesês, ou do gondomarês.
Não tarda nada, lá desde a minha bela Madeira, onde nasci, o jardinesco sátrapa regional imporá ao Governo da República o reconhecimento do madeirês, que, como se sabe, transmuta no delirante jardinês, após o quinto whisky, ou a sexta poncha.

O que nos vale é que nem a imbecilidade dos nossos governantes consegue acabar com essa invejável virtualidade do meu país que é a unidade linguística.
A atitude do Dr. Jorge Sampaio, ao condecorar o professor de Miranda do Douro, é apenas mais uma amostra da miopia e/ou oportunismo da classe política lusitana.
O mirandês nunca deixará de ser o que sempre foi, uma curiosidade local.

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