quinta-feira, julho 29, 2004

Ódios de estimação - 1: Os Madredeus

Os Madredeus (a partir de agora designados "os ditos") acabam de lançar mais um disco. É o oitavo, de acordo com a discografia no seu site.
Reparei nisto porque recebi hoje um press-release anunciando que eles vêm ao Porto apresentar o novo disco - chamado "Amor Infinito" - a 5 de Junho, nos jardins do Palácio de Cristal.
Embora oiça imensa rádio, possivelmente passaria muito tempo sem reparar que os ditos tinham um novo disco. Porque por mais discos que lancem, os ditos estão a tocar sempre o mesmo disco, vezes sem conta. Não sabem tocar outra coisa.
Inventaram uma fórmula. Tocar com instrumentos acústicos uma música que tem algo de popular, de português, de urbano, com um verniz de música erudita que lhe é conferida pelo instrumental que escolheram, que é todo acústico, com guitarras, violoncelo, acordeão, de vez em quando, mais a bela voz da Teresa Salgueiro. Ela não tem culpa...
A fórmula seduziu-me. Gostei do primeiro disco, a princípio. Eu e muita mais gente. Mas não cheguei a ouvi-lo muitas vezes. Porque rapidamente me cansou.
Na música, como em toda a arte, atrai-me quem inova, quem se aventura e arrisca quem desbrava e nos oferece novos terrenos sonoros para habitar.
E o que os ditos descobriram não era propriamente um terreno novo, era mais propriamente uma nesga, realmente pouca coisa. E a gente aborrece-se de espaços pequenos, por mais atraentes que possam parecer à primeira vista.
Tinha curiosidade pelo que se iria seguir àquele primeiro disco. O normal é que a um primeiro esboço se seguissem traços mais carregados, cores e formas novas, aventura, risco...
Qual quê...!!! O segundo disco e era apenas mais do mesmo, sem tirar nem pôr. E o terceiro, idem, aspas. E o quarto e aí por diante até ao oitavo, que acaba de sair. Está a soar na rádio e no breve tempo que deixo escoar até mudar a estação confirma-se que nada mudou.
E assim a minha curiosidade se mudou em irritação primeiro e em desprezo depois. Inventaram uma fórmula que resultou comercialmente e quedaram-se, contentes, por aí. Vivem confortavelmente desde há 17 anos com isto. Ou seja, isto nada tem que ver com arte. Isto não é sério.
Francamente, não entendo como é que alguém constrói uma prisão para se meter lá dentro o resto da vida.

Dezassete anos passaram desde o primeiro disco, milhões de quilómetros foram percorridos em digressão, oito discos - e sempre, sempre a mesma música.
Tudo debitado com uma pose estudada, imitando no vestir e na maneira como estão em palco os "músicos sérios".
Vende bem, a fórmula. Em sectores restritos, é certo, o que se chama um nicho de mercado, mas espalhado por todos os países do mundo. Vende bem mas cheira mal!
O consumidor típico deste produto será essencialmente urbano, gosta vagamente de música, mas não se interessa muito pelo fenómeno. Tem alguns 30 ou 40 discos "fixes" lá em casa. Vê esta música como um produto sofisticado, com um som algo "clássico", de que fica bem gostar.
Lembram-se daquele ubícuo poster de há alguns anos, com um menino com uma lágrima ao canto do olho?
Os Madredeus estão para a música como esse célebre poster está para a pintura.
Até quando abusarão da nossa paciência?

1 comentário:

PluribusUnum disse...

Caro Fernando,
Penso que não tenho o prazer de o conhecer, mas, já agora, obrigado pela visita a este sítio que tenho abandonado há mais de um ano. Claro que a gentileza se ter dado ao trabalho de comentar o meu post, merece uma resposta.

Pois, então é por isso, por eu não ter aprendido música... já devia ter pensado nisso!!!
Nesse caso, os Madredeus deveriam restringir as suas actuações aos conservatórios e locais frequentados por ex-estudantes de Música, não será assim?
E os cinco mil discos que tenho em casa, de todas as culturas e tradições musicais, dos quais gosto muito em 95% dos casos (quando não gosto livro-me deles) foram todos gravados para diletantes e analfabetos musicais, como eu, certamente...
Desculpe, mas não posso precisar melhor as razões pelas quais os novos discos dos Madredeus deixaram há muito de me interessar. Acho que a razão principal é porque me aborrece o seu comodismo afectado...
Já os tenho até ouvido em elevadores e noutros sítios semelhantes, lugares proibidos à música que realmente me interessa, que é a que me inquieta e intriga, por vezes que me ofende nos meus conceitos estabelecidos, por mais que estes vão evoluindo a cada novo disco.
O que gosto é de ser surpreendido, o que me leva a procurar saber mais sobre a música e os músicos, para perceber melhor o como e o porquê daqueles sons que me intrigam...
Os Madredeus surpreenderam-me no primeiro disco. Depois, nunca mais. Cada disco, mais do mesmo!
Quanto ao ódio, compreenderá que é uma força de expressão, claro que não chega nem perto disso!
Já não preciso, pois, de ir procurar a Viena o "Jungsgeist"...